quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

VICENTE JUNIOR - O POETA DO DELÍRIO


(Por Diego EL Khouri)


Vicente Junior. Grande poeta báquico, herdeiro direto de William Blake e Aldous Huxley. Um bardo polêmico e visceral com uma áurea profundamente mística. Quase um bodisatva. Esse goiano simples e complexo, me concedeu uma entrevista que aqui transcrevo. Dilatem os olhos e mergulhem no delírio poético e consciente de suas palavras:


 
Para começo de conversa, quem és tu?
Meu nome é Vicente Junior, conhecido artística e profissionalmente como VicentriX ou - o que tem sido mais comum - Vi. Romântico nato; sonhador convicto e libertário. Apesar de todo lirismo e amor pelo clássico, sempre fui adepto da contra-cultura, do faça-você-mesmo, da moderna personalidade contestadora; hora anarquista, hora revolucionário, hora ativista, mas - quase sempre - tudo junto. Um anticorporativista nato, irônico, cínico e apaixonado. Sou, em resumo, como certa canção diz, “amálgama de amores dançando a apatia”.

Ainda há espaço para a poesia, mesmo  nessa época tão fria e pragmática?

 Para a alegria dos poetas e sorte daqueles que “se esqueceram”, a poesia é – e sempre será – o prana que permeia todas as coisas e das quais faz parte, é a rede que sustenta o inconcebível, sem o qual o ser humano não consegue viver. O pensamento prático e frio que tem se tornado o estilo de vida (para não dizer, erroneamente, filosofia de vida) do mundo globalizado pós revolução industrial, por mais que pareça estar sufocando a arte, na verdade a está instigando. A poesia, a música, as artes plásticas e outras manifestações de arte são o canal encontrado por muitos para atingir subliminar ou descaradamente o consciente coletivo, levando mensagens que vão da busca pela verdadeira essência à revolução pessoal e social. A poesia, nesse contexto, se espalha de forma viral, como forma de comunicação entre os pensantes e, quando parece estar perdendo espaço, o está adornando.
Tua poesia que bebe na fonte do delírio e da purificação da alma, numa luta travada entre o lógico e o surreal, nos apontam vários caminhos tendo a filosofia, mais que a poesia, como o fio condutor primordial de sua arte. Dentro desse quadro, como ter um dialogo tão profundo e metafísico nessa sociedade onde as informações são tão velozes calcada apenas na busca material?

 Parte da resposta anterior inicia uma boa resposta para essa pergunta. O consumismo e a superficial necessidade de ter – em detrimento do ser – são hoje a grande inspiração (provocação) aos artistas revolucionários, pois alimentam de fúria o espírito libertário desses militantes multimídia. Daí, ser profundo é uma forma de afrontar a quimera da superficialidade divulgada, ser metafísico é um golpe na fronte dessa besta, é a tentativa de livrar o mundo da mítica ignorância. E a velocidade em que as informações transitam podem muito bem banalizar o conhecimento (o que não chega a ser ruim) e dissimular o pensamento com informações publicitárias fúteis e cruéis, mas facilitam a integração da “doença poética” que, apesar de aparentemente muda já canta aos de “ouvidos” atenciosos.

Quais os artistas que mais te inspiram e influenciam sua obra?

Sendo injusto com os nomes que não me vêm à memória agora, posso citar o mestre Virgílio, o grande símbolo do conhecimento Hermes, a filosofia socrática e os escritores de nossa era (ou bem à frente dela) como William Blake, Lord Byron, Hegel, Goethe, Manuel Du Bocage, Calil Gibran, Aghata Christie, Anne Rice, J.R.R. Tolkien, Krishnamurti, Olavo Bilac, Joaquim Manuel de Macêdo, João Cabral de Melo Neto, Nietzsche, Wilhelm Reich, Dostoiévski, Nicolai Dobroliubov, Julio Verne, Carl Sagan, Lima Barreto e muitos outros. Muitos pintores influenciaram o meu trabalho, porém os que mais me tocaram foram Van Gogh, Escher e Botticelli.

Devido a um ensaio que você elaborou na faculdade onde estuda, você se mostrou um conhecedor profundo, pelo menos em teoria, de drogas Psicotrópicas. Você tem a mesma visão que o William Blake, que os excessos conduzem à sabedoria e como Rimbaud que é preciso sempre estar bêbado para se produzir arte?

 Engraçado tu se lembrares disso. Nem eu me lembro.
Como estudante de design, faz parte do meu currículo estudar a percepção – em especial a visual. Nesses estudos pude comprovar que o cérebro humano é dotado de uma série de filtros (ou bloqueios) que servem para protegê-lo de uma realidade que a consciência talvez não suporte. Certas substâncias têm a capacidade de alterar a consciência, inibindo o efeito de tais bloqueios. Isso pode ser muito bem constatado no livro de Aldous Huxley As Portas da Percepção, onde ele registra a própria experiência com a administração da mescalina (peyote). Alguns outros métodos também conseguem promover essas aberturas, como privação de sentidos ou de sono, jejum, meditação, concentração e traumas. Mas o que posso dizer disso em relação à arte é que muito pode ser absorvido dessas psicoviagens, desde que certos métodos ou meios não sejam usados de forma irresponsável, para mera recreação. Os xamãs já fazem isso há muito tempo. É necessário, porém, que se compreenda que não é toda mente que está preparada para o choque que sofre o psiconauta. Sendo assim, bêbado ou exagerado, a poesia desabrocha no vislumbrar da realidade, mas cautela ainda é o verso de poetas sobreviventes.

Há uma certa alienação em sua arte perante os problemas atuais da sociedade. Essa negação se deve a quais motivos?

 A aparente alienação é, na verdade, um jogo de alegorias metafóricas. Cerco os problemas da sociedade com a argamassa de suas virtudes. A única coisa que nego é a imutabilidade: há metamorfose no meio, se houver transformação da consciência individual.

Como você chegou até a poesia?

Taurino de vinte e quatro primaveras, descobri a arte quando ainda criança, quando – ao contemplar a realidade pobre de minha infância – me dei conta de que o mundo não é lindo e que isso trazia certa beleza: era o advento da poesia. Crescendo em meio aos conflitos amorosos e financeiros dentro de casa, já refletia sobre o caráter mutável do mundo em relação à consciência. Medo, tristeza e desespero sempre me inspiraram a escrever, como se o mundo das palavras fossem o algoritmo de uma existência dentro da minha. E a descoberta da esquizofrenia do meu irmão catalisou o meu processo de mudança rumo ao abstrato, à “mente partida”.

Sei que é um cinéfilo  nato. Mesmo não estando tão implícito na sua poesia, em diversos diálogos você cita várias passagens de filmes. Fale um pouco sobre cinema, e quais os diretores que mais te inspiram.

 Adoro cinema e toda a poesia visual que impressionou o mundo ao aplicar dinâmica e lineariedade ao que antes era estática contemplativa. Porém observo com certa tristeza e decepção o caminhar suicida da Indústria (perfeita descrição de sua realidade, hoje) Cinematográfica rumo a se tornar – como todo o planeta – um universo vendido.
Não por originalidade, mas por ousadia e técnica, minha poesia se inspira muito nos irmãos Watchowski que dirigiram brilhantemente o zine-libertário-anarquista-ativista-não-impresso Matrix, que de forma subliminar esboça a nossa alienação coletiva. Tim Burton é um bom exemplo de como fazer arte sem subordinar sua criatividade. O tão aclamado Spielberg ainda habita muitas das perguntas que suas criações deixaram em minha memória. E não poderia deixar de citar o mestre Stanley Kubrik que, por razões obvias – no meu caso por Laranja Mecânica – se tornou um símbolo Cult do mainstream e do underground. Tem muitos outros, cujos nomes não consigo lembrar agora, mas aos não citados fica aqui a homenagem através de seus brilhantes títulos: 1984, Top Gun, Equilibrium, Cidade das Sombras, Ponte para Terabítia, História sem Fim, etc.

É possível viver só de arte?

 Sim. Aqui e agora, a arte não nos traria a subsistência necessária para sobreviver. Porém arte nos traz vida, promove em nós os sentimentos que superam de longe o mero entrar e sair do ar em nossos pulmões, nos faz enxergar mais longe. Na prática: viver sim, sobreviver – aqui e agora – , não.

As religiões em geral ainda estão mergulhadas num sentimento muito reacionário. Estamos no século XXI e as igrejas ainda se alimentam de um moralismo muito sectário. Importantes sacerdotes vão a mídia esbanjando discursos contra por exemplo, preservativos, mesmo sabendo a  quantidade de doenças sexualmente transmissíveis espalhadas por aí. Qual sua visão em relação as religiões e qual papel que a igreja tinha que desenvolver na sociedade?

Parafraseando um dos sobreviventes da queda de um avião, no filme O Vôo da Fênix, prefiro pensar que “a religião separa os homens, mas a fé em algo os une”. Não há muito o que falar sobre a religião, mas seu caráter de pregação do que é transcendental deveria impeli-la a praticar ações que auxiliem no processo de mudança sem preconceitos, sem limites morais unilaterais que na verdade são meros pontos de vista muitas das vezes.

Pra você o que é o amor?

É o vislumbrar da única liberdade.

Deus?

A inegável força que rege o universo e que é responsável pelas sinapses de tudo o que há na realidade. Longe de ser vingança ou interesse, é simplesmente força. A força.


A liberdade?

É a arte primeira. A poesia venal. A destruição do querer ser para a gênese do apenas ser.

Acredita em vida após a morte?

Não acredito no princípio terminativo da expressão. Creio em transformação, numa existência cíclica em diferentes formas e linear, após o toque urente da liberdade.

Para terminar uma frase.

 “Ninguém é mais escravo que aqueles que falsamente se acreditam livres” Goethe

4 comentários:

  1. Nossa, Diego! Adoro o blog do bardo da taverna! Este cara é bom demais pra ser verdade, mas taí: existe - para desespero dos medíocres da mídiocracia.

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  2. Ótima entrevista, Diego!! O cara é mesmo um grande escritor, um excelente poeta. O bom da internet é isso, descobrirmos talentos da arte que a mídea tão vazia não divulga.
    Parabéns pelo blog, mano!

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  3. E vamos divulgando
    Ligando os elos
    Unindo a dispersão
    E por aí vai

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