domingo, 14 de agosto de 2011

ANNA ALCHUFFI - A POETISA CHULA E PROFUNDA

(Por Diego EL Khouri)

"Minha sexualidade mudou minha vida. Talvez se eu fosse hetero e não tivesse sofrido tanto, nem teria necessidade de me expressar pela arte. VOCÊ É O QUE VOCÊ SEXUALIZA TAMBÉM... Acredito nisso." Anna Alchuffi




O bar foi e sempre será o símbolo máximo da boemia e das artes em geral. O reduto dos poetas, dos vagabundos,  dos músicos, dos alienados e inclusive até dos reacionários. Nesse contexto de embriaguez e brilho lunar, conheci por intermédio de Alan Lettieri, um rapaz que conheci em Pirinópolis, uma cidade psicodélica de Goiás, com suas belas cachoeiras e florestas, Anna Alchuffi, uma poetisa única e contestadora. Entre um copo e outro de cerveja já nos sintonizamos fluentemente e a mesa, com muitos amigos ao redor, virou apenas uma conversa entre eu e ela. Falávamos de música e literatura, loucuras diversas. Pouco tempo depois já conhecia sua literatura. Primeiro com um poema que fez dedicado ao Rimbaud, o maldito escritor francês que chocou  a sociedade de seu tempo e tirou a poesia do lugar comum. Versos como “ bebendo fumando e fudendo corpos gêmeos ao meu”, “me dê uma doença sem cura, sem remédio e sem alívio”, “me queime no almoço de família” e  “me apedreje, me cuspa, me vomite e me bata” me impressionaram muito. Faço aqui não um ensaio sobre sua obra e sim a sensação que ele me causa. Poesia não é pra ser explicada e muito menos justificada. Nisso Leminski estava totalmente certo. Ela é um gozo que vem e nos envolve, nos fere e nos absorve todas as energias. Assim como o sexo. Todo ato de criação provém dos instintos sexuais como Freud nos mostra. Uma válvula de escape para o equilíbrio existencial seria talvez o equilíbrio da loucura na  produção de sua própria obra ou a absolvição das artes demais.

Existe muitas maneiras da poesia surgir numa pessoa. Não sei ao certo se o poeta nasce ou se torna poeta. Alguns estudiosos apontam a arte como uma explosão que surgi devido a algumas experiências pessoais, e a literatura seria uma das inúmeras  maneiras de representar e exorcizar a própria dor. A música, o ritmo, a  melodia e as técnicas diversas seriam simplesmente ferramentas para que esse vômito existencial saísse com mais vigor e conteúdo. É necessário para que isso flua de forma consistente,  o estudo de todos os conceitos, técnicas e as experiências atingidas pelas vanguardas, mas sem abandonar por completo os cânones da arte, essencial para o amadurecimento de toda visão psicológica transmitida de forma mais ampla, filosófica e até visceral! Anna Alchuffi é sim uma poetisa visceral. Mistura de Ângela Rô Rô, Bukowski e os mendigos da rua 84 em Goiania, da boemia da Pastelaria, dos bares sujos e dos banheiros fétidos. Mas Anna não é só sujeira e coprofagia. É também uma artista apaixonada e apaixonante, com uma voz travada , tímida ao falar, mas quando canta lembra uma  diva qualquer do blues e a música atingi altos patamares. É também uma poetisa sutil e singela. Fala dessa “mulher em forma de cintura, essa poesia em forma de música”, do whisky,  das lindas mulheres que amou; dos “universotários” nos bares falando de marxismo, com seus moicanos de punk, esperando o papai chegar com seu carrão depois de  poucas horas bebendo; fala de seu desleixo, sua revolta, suas concepções próprias filosóficas , seu “psicodélico fuminho”, seus desejos, anseios, sua negação com a elite e a academia.

Como todo grande artista, sua vida pessoal é representada e  retratada em poesia. Todos os traços da exclusão que viveu (e vive)  é demonstrada em suas belas e diretas palavras. A coragem de se assumir homossexual aos doze anos de idade, a expulsão de seu próprio lar, problemas na família, sua indignação pelo ensino fundamental, sua banda punk aos quinze anos, está tudo ali, trabalhado metaforicamente numa soma de escândalo e  loucura. A sua idéia é trabalhar com questões profundamente filosóficas mas de maneira popular e que todos entendam. É preciso chocar os reacionários. E para eles o discurso tem que ser simples.  As descobertas no  campo do erotismo chega às vezes ao absurdo. Um absurdo kafkaniano, mas com a ironia de um Nietzsche. Uma velha que sem querer, como a descoberta dos átomos ou da bomba atômica, descobre as nuances de seu corpo. De repente, como um acidente, um travesseiro resvala as entranhas da senhora e ela enfim, depois de séculos de existência, descobre enfim o calor escaldante do tesão. Depois de muitas brincadeiras masturbatórias, a velha é encontrada  morta com as pernas pra cima e com o travesseiro na genital. É esse tipo de viés que essa guria punk da MPB trabalha. O encontro irônico entre o banal, o ridículo, com o “elevado” e sublime e porque não o transcendental.

Entrar e sair de todo sistema. Falar de” xoxota” , de embriaguez, e o quanto é bom “ter buceta na boca” dentro de um evento organizado por uma igreja evangélica; falar “eu sou mulher e lésbica” e “foda-se”  em um sarau na UBE (União Brasileira dos Escritores) no dia nacional da poesia, dia quatorze de março de 2011, é coragem e é isso  que a arte e a sociedade como um todo clama. Uma utopia para alguns. Poesia tem que transgredir, tocar nas feridas, quebrar tabus. Arrotar como o canto dos ditirambos em frente as máquinas opressoras do capitalismo enfadonho e angustiante. Em vez de curar, cutucar a ferida. E a Anna, dentro desse contexto todo, absorvida nessa loucura sem pudor,  nessa podridão clássica, nesse escarro poético, nessa caganeira filosófica, nessa pureza dos sentidos, nessa inocência platônica, nessa  também leveza nas palavras, me faz reconhecer nela uma poetiza única, cheia de qualidades e que vai dar o que falar como já está dando. Minha parceira cósmica, minha irmã eterna, minha parceira do álcool e dos versos. A poesia como porrada (!) e a vida como um palco aberto na loucura da jornada inimitável como o "senhorzinho" Rimbaud nos ensinou em sua eterna juventude báquica!

6 comentários:

  1. Porra nem sou isso. falo asneira com gosto! rsrsrs Caraca, eu estou emocionada, sério! porra!

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  2. Sem dúvida a Anna é uma criatura das mais interessantes. Espero um dia nos conhecer pessoalmente

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  3. Tive o prazer de dar essa pincelada de mestre no quadro surreal de minha existência. Uma assombrosa mente aberta num mundo de convicções cerradas. Conhecê-la é uma virtude.

    Carpe diem.

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  4. Mais uma figura absolutamente essencial nessa pasmaceira que é o cotidiano atual.

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  5. Gostei demais - As matérias do seu blog,
    são sempre dignas de copiar e colar -
    Espalhar pra todo mundo.

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