sábado, 7 de janeiro de 2017

BAIXA MAR

Poema: Álvaro Nassaralla
Foto: Diego El Khouri

 (26/12/16)

Andava desterrado de alma
como nunca antes
ou como sempre antes,
entre a insolência das acácias e
a insolvência da tarde.

Poderia ilhar-me todo em teus olhos,
alijar bromélias do cerrado para ornar-te os cabelos
com folhas transformadas em mica,
feito conjura de películas amarelas a cada linha do horizonte
decadente: sutura para o sonho de tocar-te a pelo.

Então penetro e teu sorriso amortalha-se em enlevo
como avenidas vazias se abrem para cidade adentro,
ou um carrossel voando abandonado no furacão
com música de pianola de lata
pelos caminhos desgovernados do prazer.

Agora que arriou-se toda a maré,
também estou tonto no prazer das roupas da madrugada
lançadas para fora do jejum.
Suas ancas ferozes escapam sob pena de forca
em direção aos estuários de areia vermelha,
longamente serenando a rua do corpo.

De toda forma,
tenho o mar a torturar-me o desejo,
ardente lágrima que escapa à respiração espessa
enquanto a carícia não se completa
sob o céu envidraçado à poeira de galáxias.

Intimo o íntimo enlaço de caminharmos juntos
pelas areias a perder de vista na costa,
para o mais somente de sermos
o toque cálido do verão,
mas também a saber
que o outono virá oceano luminoso
– significa que me deixe ao abrigo do mundo,
e o vento como minha verdadeira casa,
e o girassol convida tardes roxas de tempo,
sabendo que os defeitos é que emprestam ao entardecer
o doce cheiro da petúnia,
a asa transparecida da cigarra,
o que temos a salvo no coração e não pode ser comprado.

Enquanto te escrevo, vou aprendendo vida
como também caminham juntas e entrecruzadas as linhas do amor e
da sabedoria, até o desejo que se encontra montante em alguma parte
e mesmo que ele sobrepuje a brisa mareada dos portos,
temos de ver: aceitar cada vez mais o outro,
também é ser mais quem se é.

O amor só pode ser maior quando vivemos por um fio
ou quando bancos de areia e formações ficam inteiros à mostra,
nus, aguardentes, deflagrados, rasteira festa das aves bicando a areia:
seu corpo é meu na baixa-mar.



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* Conheci esse grande poeta através do Edu Planchêz em 2012 (em uma das vezes que morei no Rio de Janeiro). 
* Foto tirada em 2014 no sarau João do Corujão no Leblon. -* Detalhe: ele também é descendente de sírios e faz aniversário no mesmo dia que eu: 21 de março. Arianos loucos rs.
(Diego El Khouri)

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